terça-feira, 8 de março de 2016

A Melhor das Hipóteses

Como interpretar o vazio, quando a voz que vocifera, se faz tão pouco compreensível? São apenas ruídos, mas a mente, em desalinho, voa para muito longe de onde estava há poucos instantes. Os batimentos brincam de acelerar o ritmo, compasso carnavalesco dentro do peito e aquela sensação estranha de sempre. É inevitável procurar significados e soluções de curto prazo para disfarçar o estrondo. Dois tragos de uma legítima paratiense para o garoto, por favor. Não o suficiente para fazê-lo cambalear pelas pedras do centro, que fique claro. Somente dois tragos, para fazê-lo acalmar o coração, corar as bochechas e na melhor das hipóteses, encontrar no meio desta multidão de estranhos, um rosto conhecido. Ou não.

Assim, como os melhores contos estão em livros ainda não lidos, seu projeto de musa pode estar justamente ao seu redor. Como aquela à esquerda, sorrindo com as amigas, correndo contra o tempo, para quem sabe, não ter de dormir sozinha pela vigésima-sexta vez no mês. Ou aquela, de vestidinho verde mostrando os joelhos, com o cinto acima da altura da cintura, tentando disfarçar as largas ancas. Há um quê de enigmático em cada uma delas. E um tanto de surpreendente, se houver um mínimo de paciência para fazer uma leitura aprofundada. Mas a noite é uma criança, uma criança morrendo de sono, querendo ir logo se aconchegar num cantinho serenado, e priva a maioria de seus atores de tal capacidade especulativa. Ou não.

Se houvesse mais espaço, certamente haveria mais gente. Mas o local não fora planejado para o devido fim. Um corredor abafado, pouca luz e uma distância desafiadora de qualquer lugar até o balcão do bar. Trilha sonora que remete aos tambores de Timbuktu, como numa daquelas festas de evocação e magia. Mais dois tragos para o garoto. Somente mais dois tragos, para fazê-lo não pensar em se preocupar com seus próximos passos, mesmo que tais passos sejam dados entre solavancos e tropeços. Cuidado para não comprimir o pé dela. Tarde demais. O estrago já foi feito. Seu pé, o pé dela e o chão. Fisicamente falando, não há como calcular, devido ao tom de embriaguez, a força resultante de tamanho descuido. Ou não.

Vestido azul comprido, sandália vermelha e uma coroa de flores rodeando seus cabelos, escuros como a véspera da manhã. Quem diria. Sorrindo um sorriso capaz de paralisar até pilantra em rota de fuga, fugindo da mulher ou da polícia. E eu sei, ele poderia ir preso por um sorriso desses. Meu garoto, como é fácil perceber suas intenções. Chega de paratiense por hoje. É preciso ter calma, é preciso ter calma. Qualquer atitude impulsiva poderá fazê-la esconder os dentes. Mas ela não os esconde. Metade dos homens olham atentamente para a cena de cinema que se desenrola em frente à porta do banheiro. Ela é areia demais para esse caminhãozinho. Ela é um avião de grande porte, ele, uma pistazinha de pouso clandestina. Ou não.

Não tenha medo. O máximo que pode lhe acontecer é voltar ao seu estado anterior. Às mazelas de sua alma solitária. Levando em conta o tom proposital do tropeço, nada mais justo que pedir desculpas e oferecer uma cerveja ou um cigarro. Pelo menos sorria de volta, por Deus! Faça qualquer coisa, só não a perca de vista! Com seus olhos penetrantes, ela parece não estar muito disposta a recusar qualquer investida e enfim, partem para uma dança. A bem da verdade, um abraço em movimento, quase um badalo. É o melhor que ele pode fazer, acompanhar seus movimentos, olhar ao redor, copiar, colar e tentar executar. Ela parece não ligar para tamanha falta de perícia. A sorte está a seu favor. Mantenha o sorriso e dance garoto. Apenas isso. Dancem.