quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Ainda Sou O Mesmo

A pergunta que eu faço todo dia para mim mesmo é a seguinte: "quem foi que disse que eu tenho que ter certeza de tudo, do rumo ao prumo, quem foi que disse que eu preciso ter certeza alguma?". Quando eu era bem moleque, e quando digo bem, e quando digo moleque, isso lá pelos dez anos de idade, a única coisa que fazia sentido na minha vida era o fato de que eu realmente não sabia o que significava a palavra "sentido" e muito menos do que se tratava a palavra "fato". Eu era apenas uma criança de dez anos e tudo o que queria era ver o tempo passar enquanto esperava minha mãe me buscar na escola e o tempo parar enquanto brincava com meus amigos.

Não pensava em nada que não fosse algo do tipo. Não havia complexidade, não havia ainda a ideia de que alguém poderia vir a me fitar como um pedaço de carne pronto para o abate, como um ser à deriva, ou como uma pessoa qualquer que faz parte desse mundo tão pitoresco. Éramos apenas crianças e se pudéssemos somar nossas idades, não passaríamos dos quarenta. Caso contrário, saberíamos desde muito cedo todas essas coisas sobre a dureza de ser gente grande.

Mas não, o negócio era chutar possas, sujar as roupas e andar pelas ruas como se não houvesse amanhã. E sinceramente, certamente não havia. O amanhã, clichê de cada novo dia, é coisa pra se pensar a partir da adolescência. E como qualquer punhado de seres ínfimos, guardávamos nossas possíveis preocupações e angústias em pequenas caixinhas de segredos, bem lá no fundo daquela enorme gaveta onde circulam nossos pensamentos. Não havia certeza alguma. Não havia necessidade de certeza alguma. Havia bolo. E se houvesse bolo, havia tudo.

Posso parecer um tanto ingênuo. Um tanto bobo. E isso me incomoda muito menos do que outras certas coisas que eu poderia pensar de mim mesmo. Ou que penso. Às vezes sinto que o tempo se estende por ciclos diversos e que a cada ciclo, uma nova pessoa, dentre as tantas que sou, toma as rédeas e dita o ritmo, até que da noite para o dia, tudo muda e nada do que foi será - parafraseando Lulu - de novo, do jeito que já foi um dia. Não há qualquer sinal de bipolaridade, tripolaridade ou tetrapolaridade. Chamam isso de múltiplas personalidades. Vejo mais como um dia após o outro. Como o jeito natural de ser e se adaptar a tudo e a todos.

Não dá para passar a vida inteira fazendo tudo da mesmíssima forma, diariamente, eternamente. Há dias que a rotina escapa das mãos e prevalece aquela sensação de que o mundo é mesmo muito grande. Dias em que a rotina não escapa e então, nada acontece. Posso parecer um pouco perdido quando falo sobre certas coisas, mas é bom que seja assim, me sinto bem dizendo aquilo que me vêm à mente. Aquela ideia que supera todas as outras. Aquele lapso vencedor, que passou por cima de todos os outros e pronto. Aquela fagulha que brilhou mais intensa. Posso parecer certo de tudo. E não saber nada de porcaria nenhuma.

Certo somente de que tudo e nada separam-se por uma linha muito tênue. Ainda sou o mesmo. Por mais que o corte de cabelo seja outro, por mais que o tom da pele e da voz também tenham mudado. Por mais que as ideias tenham flutuado por diversos e distantes mares, por mais que o brilho dos olhos tenha deixado rastros por inúmeros flertes. Por mais que o corpo apresente marcas que evidenciam feridas que talvez jamais venham a cicatrizar. O mesmo ser aventureiro e questionador incansável de tudo sobre qualquer coisa que seja. Cansado da vida e distante demais da morte. Ainda sou o mesmo. Caçando sorrisos nas ruas, brincando com a sorte. O mesmo, exatamente o mesmo. Não há dúvidas, cheiro de criança, aroma de menino, perfume infalível de homem. E como o tempo voa...