terça-feira, 28 de maio de 2013

Persona

quem é você?

talvez Bergman saiba responder
talvez não saiba
talvez eu esqueça
de perguntar
quando o vir;

o batom vermelho,
os trajes multicoloridos;

só que não,
o palhaço sou eu
porque é o palhaço quem chora
de amor escondido;
pelos cantos

terça-feira, 14 de maio de 2013

Um Imenso Desperdício

Não consigo entender qual é a graça. Qualquer tentativa de compreensão a respeito dos sorriso alheios é completamente vazia. Parabéns aos que sorriem.  Não bato palmas porque julgo desnecessário para com os mesmos. Já basta toda essa felicidade. Ainda que pudesse sorrir de encontro, mas nem isso.

Na vida de um homem existem diversos parâmetros. A cama vazia e a garrafa cheia. A cama vazia e a garrafa pela metade. A cama vazia e a garrafa vazia. A cama ocupada, por um projeto de alcoólatra ao findar de suas madrugadas  razoavelmente poéticas. Litros e mais litros de uísque desperdiçados por um frustrado qualquer. Ainda que vomitasse tudo, mas nem isso.

E qual é a graça? Tal contexto. Um total idiota aos trancos e barrancos, dando tragos em cigarros intermináveis e goles em garrafas que parecem brotar do chão. A graça reside neste viver miserável. Ainda que fosse um grande escritor, um grande cronista, um grande poeta. Ainda que fosse um grande qualquer coisa, mas nem isso.


Com o tempo, desenvolvi um horror imenso em relação à madrugada. Esse silêncio preenche a minha cabeça, como que alertando sobre a solidão que domina a minha rotina e destrói as possibilidades de equilíbrio mental. Ainda que tivesse um cão pra dormir aos pés da cama, mas nem isso.

Acredito no amor. Acredito nessa coisa louca. Quantas vezes me joguei, me espatifei, me levantei e tornei a repetir a ordem de tais fatores. Acredito no arrepio. Na ansiedade. Levo muita fé na falta de sono, na saudade. Gosto de gostar dos outros. Ainda que a recíproca não seja sempre verdadeira.

Qual é a graça? Não sei. Cama vazia, garrafa pela metade. Ainda que esse uísque tombasse e esparramasse sua tranquilidade pelo chão, ainda que a madrugada acelerasse para logo raiar o dia, ainda que um vira-lata moribundo tocasse minha campainha, ou meu coração. Ainda que os sorrisos passassem a fazer sentido.

Certa vez disseram-me que eu era um imenso desperdício, porém, ao que tudo indica, nem isso.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Yakissoba de Rua

Nem sempre quando se é chef existe a obrigatoriedade de comer em casa. Fazer tudo o que for comer, tampouco ficar saindo para restaurantes caríssimos, bistrôs e coisas do tipo. Quem inventou esse tabu precisa ser atualizado dos fatos. Fome é fome, e para matar a fome basta qualquer coisa mastigável. 

Que fique claro, isto não é um incentivo aos fast-foods, o que em geral abomino. Porém, não é assim que funciona, bateu a vontade de comer vai lá e bota o macarrão na água, pica a cebola, pulveriza a salsinha, faz uns quatro ou cinco tomates concassé e beleza, tá na mesa. Certas vezes o tempo é curto e tal desejo de cozinhar simplesmente não desabrocha.

Para isso existem as soluções rápidas (vejam, soluções rápidas; nada tem a ver com fast-foods), como o chinês do yakissoba, todas as noites no mesmo ponto, fazendo a mesma coisa. Ele aquece o wok, joga um cubinho de manteiga, dá uma fritada no frango, adiciona o macarrão pré-cozido junto dos legumes, rega com o molho de soja e pronto. Da embalagem pro prato, do prato pra boca, da boca pra satisfação imediata.

Engraçado esse china. Mal entende o que eu falo, quando digo para caprichar no molho de soja, ou até mesmo quando pergunto se  tem troco pra vinte. Certamente está no país há pouquíssimo tempo. Não dá para saber se é de Xangai, se tinha algum afeto por Mao ou se costumava frequentar as óperas de Pequim.

Certo é que o mesmo convive com a minha cultura, e me oferece um punhado da sua, preparando o meu jantar, ao lado de um ponto de ônibus qualquer. São Paulo não ostenta a pompa de uma Cidade Proibida, ou coisa do gênero, mas tem dessas coisas.

Aqui é possível encontrar um chef de cozinha comendo numa carrocinha, e ai daquele que se opor às soluções rápidas. O ritmo da cidade deveras contribui para tais escolhas. Mas que se dane, nada se compara ao sabor do macarrão tostadinho do fundinho da panela.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Carta Mais Linda da História

A carta mais linda da história desapareceu. Meus parágrafos voaram para longe, se é que voaram. Minhas ideias sobre o amor ao qual contemplo dissiparam-se numa turbulência de fatos inexplicáveis ou num extravio de bagagens do aeroporto mais próximo à tua casa. Andam roubando bagagens nos aeroportos. Eis um possível destino torto para a carta que lhe escrevi com tanto carinho.

Não era para ser lida. Sequer sentida, nas entranhas do teu peito. De tão linda, perdeu-se. Gerou incômodo nas demais correspondências e fora jogada para fora. Descartada, por assim dizer, dos outros tantos envelopes não tão bonitos. Ou então, o rapaz esqueceu-se da tua morada, passou reto na tua rua sem saída e deixou de entregar a bendita. Pode ter parado para pensar, no pecado que seria, entregar de mão beijada tamanha sensibilidade. Ironias à parte, outra possibilidade. Vai que a carta deixou-se esquecer no fundo da mala. 

Sabendo ser a carta mais linda de todos os tempos, escondeu-se no tempo, e ficou marcada, num ponto qualquer da história. A carta que sumiu entre os dias xis e ipsilon. Quem a encontrou certamente morreu de amores. Imaginou-se em seu lugar e transportou-se para um reino de contos de fadas, onde só existem coisas lindas de se admirar, como a distância que nos separa. E que nos aproxima.

Penso nos olhares perdidos deste leitor, ou leitora. Deliciando-se com cada frase, um orgasmo literário para sujeito algum botar defeito. Não seria surpresa receber uma resposta, uma proposta, tampouco uma visita ou uma investida voraz. A carta mais linda encontrou-se em outras mãos, que não as tuas. Estas mesmas, que acariciaram meus cabelos há poucos instantes. Seu lacre fora rompido cuidadosamente por mãos alheias e isto parece-me um tanto intrigante.

Meus sentimentos detalhados com todo o cuidado, meus oitenta e poucos centavos, espalhados, por um canto desconhecido de qualquer lugar. Não há como negar, uma certa culpa pela negligência ao envio registrado. Monitorado, por computadores de última geração, meu conjunto de palavras-sonhos não perder-se-ia. Tanta tecnologia, para nada. Envelope lacrado, devidamente encaminhado, para as mãos de um entregador, vulgo carteiro.

Outro horizonte. De certo, ficarei atento. Daqui em diante, para com a próxima. Levarei flores à mulher do caixa. Acenarei com um sorriso ao segurança. Levarei dinheiro trocado. Aguardarei o tempo que for necessário na fila, assim como conversarei mais com os frequentadores locais,  possíveis remetentes de cartas tão importantes quanto as minhas. Porém, não tão lindas quanto as que escrevo a pensar em ti.

E aí é que está a beleza das mesmas.