sábado, 28 de julho de 2012

Retrato em Preto e Branco

Ela surge de repente. Olhar profundo, beija meus lábios, percorre meu corpo com suas mãos e sussurra palavras de amor sem maiores exigências. A noite definitivamente está ao meu favor. Seios macios, de pele aveludada, aos quais recuso desgrudar. O toque de minhas mãos causa arrepios em seu corpo, sua respiração altera-se a cada novo deslize.

Ela quer mais e nada pode nos impedir. Uma câmera, uma velha guitarra, um chapéu e um cigarro no canto da boca. Seu corpo nu enquadra-se perfeitamente em minha lente entusiasmada. Clico diversas vezes. Não procuro a perfeição. Nada pode ser mais perfeito que esse momento, preciso dar um jeito de parar o tempo.

Garrafas de cerveja no chão e na sacada da varanda. Bitucas espalhadas por cinzeiros e copos plásticos furados. Alguns manchados de batom vermelho, um contraste alucinante. A bagunça reflete o calor da situação. Nada no lugar. Roupas, objetos, jogados por todos os cantos do quarto mal iluminado.

Beijo seu rosto, abraço seu corpo e negocio com o relógio. Sim, o tempo não pára e aproxima o findar de outra noite. Quase cedo. Sol teimando em surgir pela janela, conspirando em prol da intensidade. Verdade. Jamais senti tamanho desejo de permanecer intacto, como uma estátua renascentista, onde o amor  perpetua-se e inspira.

Ela cede ao cansaço. Nada mais acontece. Pedido atendido. Relógio parado. Apenas  observo seu corpo nu sobre a cama. Nada mais se faz necessário. Nada pode superar tal sensação. Divino cenário. Enquadro mais uma vez e disparo. Linda, dormindo como criança.

Retrato em preto e branco, deliciosa lembrança, de uma noite simplesmente memorável.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Que Dizem os Olhares

Eles se olham como se seus olhos fossem confidentes de outras épocas. Seus pensamentos se entrelaçam de tal maneira que parecem partir de uma só cabeça. Seus lábios jamais se encontraram, seus lábios - e essa é que é a verdade - jamais se manifestaram como realmente deveriam, poucas palavras e apenas.

Um sorriso para quebrar o gelo no começo da manhã, outro ao lembrar do sorriso dela tarde da noite. É nisso que ele pensa. E como pensa. Fantasia possibilidades em segredo, algo que jamais contara a ninguém. Ele a tem sem que ela saiba. E ele sabe,  que algo a mais se esconde por detrás de toda essa alegria. O quê? Pura magia.

Um canto, encanto de sereia, vôo livre em direção ao mar do desconhecido. Quem é? Quem será? Quem é essa que teima em não deixar o seu pensar? Ele sabe. O fato é que não se faz necessário qualquer aprofundamento. Ele simplesmente a tem, repito, em seus pensamentos, momentos únicos de contemplação. Um êxtase.

Bochechas vermelhas a cada passo dado em sua direção, mãos trêmulas, ela consegue facilmente paralisá-lo. Ela o tem em suas mãos. E veja bem, mãos de uma delicadeza notável, mãos que pairam pelo ar a cada movimento feito no palco. Sim, ela dança, e sua dança faz dançar cada centímetro dele.

Ele registra tal ação como se em sua mente houvesse espaço de sobra. Nem aí, faz questão de captar os mais simples detalhes. E como é linda aquela a quem admira secretamente. Uma flor, uma flor de semelhanças inexistentes. Sutil, leve, única. E ela dança como a flor balança ao soprar do vento.

Eles se olham como se seus olhos fossem confidentes de outras épocas. Ele a tem sem ter e não esconde o sorriso no rosto ao fechar os olhos e lembrar de seus traços. Registro magnífico, protegido contra cópias de qualquer tipo. Aquilo é seu e de mais ninguém. Guardado para sempre na memória, emprestado aos cuidados do tempo.

E o que o tempo tem a ver com isso? Tudo. Nada. O tempo é o que voa. O tempo é o que leva. O tempo é o que traz de volta. O tempo age como aquele bom amigo que entrega a hora certa de se abrir. E ele se abre, desabrocha como rosa e aguarda o cair de mais uma noite, outra noite, outro devaneio, outra tempestade de amor platônico. 

Aquele sorriso. Ah, aquele sorriso.  Se ela soubesse a delícia que é somente observá-la, teria espelhos espalhados por toda sua casa. Mas deixe que ele cumpra esse papel, desenhando estrelas no céu pra depois ligar os pontos, formando seu corpo, mirando olhos nos olhos, imaginando como seria, um dia, sem que ela o visitasse em suas manhãs de garoto e suas noites de sono.

Um sorriso, para quebrar o gelo desta tarde que agora o cerca, outro ao lembrar da noite que passara com ela, mesmo que em seus sonhos. E como é bela aquela que faz seu coração disparar, aquela por quem ele escreve sem mais tardar, como é bela, Isabela.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Silêncio

Nada. Nada se diz, nada se escuta. Nada. Nem alto, nem baixo, nem sim, nem não. O som do silêncio é absolutamente ensurdecedor. Um eterno sei lá, por assim dizer. É quando você se contenta com o pensar, e pensa, pensa, e apresenta ao seu raciocínio às mais variadas possibilidades, como numa estante de livros em branco, onde um romance se confunde com um thriller enigmático. Por mais que os lábios aticem, não se movem, e qualquer esperança nesse caso é vã.

Silêncio, subúrbio sonoro. Onde o tempo encontra o vento numa valsa longa e aveludada. O mais eloquente dos discursos, repleto de sabotagens e dispersões, sabedoria e dúvidas infindas, quiçá uma ligeira indefinição momentânea.

Silêncio é pausa, tecla mute automática, ausência de explicações e argumentos inúteis. O silêncio sou eu, o silêncio é você. O silêncio é tudo e todos. O silêncio é a generalização da falta de assunto, como num papo sem nexo qualquer.

O silêncio não é comprado, não é vendido. Não consta em nenhuma prateleira, frasco, estoque ou guardado a sete chaves no fundo de um armário. O silêncio é item indispensável para a sobrevivência nos dias de intensa tristeza ou reflexão. Silêncio é ouvir mais. Nem bendizer, nem maldizer. É o cessar da fúria da boca.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Aos Amigos


Grandes amigos, grandes histórias. Lembro-me, certa vez, nos tempos de garoto franzino, quando ainda apanhava na escola, de questionar-me sobre a possibilidade de quem sabe um dia ter um bom amigo.

Afinal, para que serve um desses? Vivia me perguntando, junto de meus inseparáveis bonecos Comandos em Ação. Pra quê ter um Guilherme, um Arnaldo, um Thiago ou um Fernando se eu podia simplesmente ter um Chuck Norris ou um Rambo? Coisa de criança. Nos meus sonhos não haviam pessoas, somente bonecos que cuspiam fogo e carrinhos que se transformavam em robôs excêntricos e demolidores.

Certo dia, flagrei meus coleguinhas infernais colocando a pasta da professorinha dentro da mochila de outro inocente como eu. Parece até que foi ontem, me recordo de cada detalhe da situação. Levantei e caminhei na direção do garoto. Olhei para ele e disparei aquelas palavras, que de certo modo, mudariam para sempre a minha vida e a vida do cara.

"Você vai mesmo deixar eles colocaram a pasta da professora na sua mochila?" Fim de papo. Salvei a vida de alguém naqueles cinco segundos de heroísmo. Não preciso nem dizer que levei um belo dum esticão no mesmo dia. Para quem não sabe, o esticão consiste de quatro coleguinhas infernais e um coitado. Cada par puxando você pelas pernas e braços, até você não agüentar e admitir ser um cagão, um bundão, ou até pior, um mela tanga.

Aquele garoto, que a propósito se chama Adriano, foi o primeiro de muitos. Nesses tantos e tantos anos, amigos vieram e partiram, com a mesma intensidade de uma onda quebrando na areia. Alguns marcaram para sempre seus nomes no meu coração, outros são e serão sempre lembrados em papos de boteco e fotografias antigas. O fato é que nada na vida acontece por acaso, e todos eles, por mais que não saibam, tem seus rostos e seus nomes gravado na minha memória.

Não tenho a intenção de dedicar esse texto a nenhuma pessoa em especial, nem aos meus amigos, queria mesmo, de coração, dedicar aos coleguinhas infernais da minha remota segunda série, eles sim, são os verdadeiros responsáveis pelas palavras que aqui escrevo. Quem poderia dizer, que aquelas esticadas serviriam como um empurrão, para futuras alegrias, bebedeiras, viagens, tumultos, relacionamentos, intermináveis contas de telefone e eternas amizades.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Homem Que Não Sabia Chorar

O homem que não sabia chorar aprendeu a rir. E riu tanto, mas tanto, que se esqueceu do tempo, dos amigos, dos quilos e dos compromissos, se esqueceu das responsabilidades, da idade e da facilidade que tinha em expressar seus sentimentos. Riu tanto, que durante um bom tempo, não percebeu que ali dentro, haviam lágrimas estocadas, deixadas de lado para uma próxima oportunidade, que até então, não havia lhe batido à porta.

Um choro doído, contido. Um grito abafado, guardado, sofrido. Coração partido. O homem que não sabia chorar aprendeu a lacrimejar. E ele, que já havia chorado certas vezes, infelizmente, lembrou que altos e baixos fazem parte da vida.

Não existe certo, não existe errado. Existe o oportuno e o inoportuno, como o momento ou o ato. Abstrato, como o fim de um relacionamento, que já beirando o chato, havia de ser reciclado. Caminhos abertos, caminhos fechados, seres humanos, energizados.

A mulher que o ensinou a rir, também o ensinou a chorar. E isso agora ele aprendeu, sem mais tardar.

Não Quero

Eu não quero

Não quero seus olhos
Não quero sua boca
Não quero seus braços
Não quero suas pernas
Não quero suas coxas

Não, eu não quero.

Não quero sua língua
Não quero seus lábios
Não quero seu cabelo
Jogado nos ombros
Não quero seu sorriso
A me olhar de lado
Não quero seu calor,
Não quero seus beijos

Não quero sua pele ou
Suas intimidades

Não,
Eu não quero.

E não é simplesmente não querer
Por não querer

É necessidade.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Aspirador de Pó

O primeiro dia de um estagiário, enigmático por essência, exige sempre muita cautela. O que há por vir? Onde se encaixar? Como não agir de maneira estúpida? E o primeiro dia de um recém-formado em uma agência de publicidade, é claro, não foge à regra.

Já o segundo, outra história, outro dia, e é justamente nesse dia que se descobre que bem como se previa, a propaganda é de fato a alma do negócio. Vinte e quatro horas depois, nada de alarde, nada apresentações e demonstrações extravagantes.  Quem é você? Quem quer saber? A doçura acaba como um gole de absinto.  O perigo é flagrante. Sozinho e sem saber para onde andar, com quem falar e a quem bajular, o estagiário percebe ter se enfiado no meio de uma sinuca de bico, ou uma sinuca de saco. Vou te explicar melhor. Nesse jogo, há um taco apontado para a bola branca, que se alinha perfeitamente a uma bola qualquer, que por sua vez, mira para suas pobres bolas do saco, dentro do buraco. É torcer para dar merda, do contrário, tchau tchau para os bagos do estagiário.

Um pedido. Olha só, seu primeiro briefing! Um comercial de curta duração para televisão. Um minuto apenas, para vender o Turbo Duster Aniquilator 7325 Pro, um revolucionário aspirador de pó.

Aberração ou não, a ferramenta - segundo o cliente - era capaz de fazer milk-shakes deliciosos, bloquear contatos indesejados no Facebook, buscar o jornal na caixa de correspondência, além de catar piolhos com eficiência e facilidade. A grande verdade, é que o Turbo Duster Aniquilator 7325 Pro também podia moer carnes com precisão e ao acoplar em seu corpo de titânio o acessório Multi Slim Tools on The Table, se transformar numa escada em questão de segundos! Ele lava? Lava! Ele seca? Seca! Ele passa? Passa! Ele veste e ainda dá o nó da gravata! Só um aparelho desses pode dar aula de mandarim para os cachorros e fazer sua barba muito melhor! Enfim, uma maravilha da tecnologia, Turbo Duster Aniquilator 7325 Pro.

O estagiário analisou a embalagem, leu e releu o manual, testou, sugou um pouquinho de pó pelos cantos da agência e constatou que a fera era realmente capaz de aspirar pó, mas nada demais. Proativo e precavido, antes de qualquer coisa, se dirigiu à sala de criação. Frio no umbigo, logo chegou dizendo ao que havia sido incumbido e fez suas considerações. Sem mais. Baixou a crista e ouviu a voz da experiência lhe dar uma leve aula de “como vender areia no deserto”, antes de saber que a consequência de seus anos e anos de estudo era aquilo mesmo, Turbo Duster Aniquilator 7325 Pro, o bendito aspirador de pó, fazedor de caldo verde e creme de jiló.

De volta à sua mesa, confabulou com seus simples botões de simples estagiário e não se permitiu compactuar com tamanho trambique. Não passou tantos anos estudando para isso. No fim daquele mesmo dia, pediu demissão. Fim de jogo para o garoto. No caminho vertical feito pelo elevador, pensou na ideia absurda do aspirador e deu boas gargalhadas. Alguns instantes mais e enfim, de volta para casa.
Quando chegou, avistou de longe um entregador das Casas Bahia bem em frente à sua porta, com um embrulho imenso sobre os ombros. Lá vem, sussurrou seus instintos. Você mora aqui? Pergunta o rapaz da loja. Desconfiado, mas sem saber de nada, o estagiário acenou positivamente. Abriu a porta e logo viu sua avó caminhando em sua direção, com um sorriso de orelha a orelha, típico de quem tem o costume de fazer compras sem sequer pensar.

Quê que é isso vó?

É o Turbo Grill Vitor Belfort Jungle Fighter 2019, você precisa ver o que ele faz!

Ah sim, até imagino! Ele constrói castelos de areia na praia, lê crônicas de Drummond em língua estrangeira, descasca batatas e faz soldas com precisão incrível. Sem falar que ele lava suas dentaduras e controla o tempo do assado no forno, não?

Não. É só um grill, como aquele George Foreman, serve para grelhar! Engraçado, nunca ouviu falar?