domingo, 26 de setembro de 2010

Cedo

Cedo
                                                  ANTES FOSSE SEDA.


Hoje eu levantei cedo, dei uma bela espreguiçada, olhei para a fresta da janela e visualizei um raio de luz a incendiar minha vista.

- Bom dia a você dia! Que juntos possamos desfrutar dessas tantas horas! Horas que nos tornam cúmplices um do outro.

Voltei meus olhos para a cama - meu amor dormindo feito um anjo - pensei em suspender seu sono e acordá-la para ver o dia nascer por entre a fresta, mas desencanei logo da idéia.

- Melhor deixá-la como está.

Anestesiado por uma longa noite de descanso, meu corpo parecia estar mais preso à cama do que nunca! Teriam meus setenta e três quilos dobrado durante a noite? Acredito que não, aceito a preguiça e a convido para desfrutar das tantas horas que estariam por vir, junto a mim e ao dia. Mas antes, só um cochilinho bem de leve.

Cerca de cento e vinte três minutos depois, um barulho chato pra caralho, desses capazes de fazer você pensar “como é possível existir um barulho tão irritante assim?” me despertou do sono e me pôs de pé.

Abri a janela da tal fresta e olhei para a rua, na tentativa de encontrar o despertador ambulante. Fato é que sempre que se tenta encontrar a causa de uma coisa dessas você se depara com outras coisas que não condizem com aquilo que você procurava. Por exemplo, barulho de buzina de carro dá no mesmo que mendigo catando lata, ou então música alta... óbvio, um mendigo catando lata! Ou pior ainda, quando tocam a sua campainha e você, imbecil, bota a cabeça pra fora da janela e dá de cara com o desgraçado do mendigo perguntando se você tem lata, porque todas as que estavam jogadas e largadas na porra da rua ele já fez o favor de catar.

Mas isso não vem ao caso.

- Maldita campanha política!

Na real, eu sempre quis construir um ânus (mais conhecido como cu) gigante para poder enfiar todos esses mentecaptos dentro! Lógico, ateando fogo depois! Porque um rabão monstro, cheio de políticos sujos, merece um banho de álcool seguido de um fósforozinho neurótico! Mas também pensei em erguer uma pica imensa pra poder dar seqüência ao ato de revolta e terminar de uma vez por todas com esses picaretas. Porém, creio eu, que o processo criativo de dois artefatos desse porte seja difícil demais e que tome muito do meu precioso tempo. Foda-se então.

PENSOU QUE A HISTÓRIA FOSSE BONITINHA NÉ? BOM DIA PRO DIA E RAIO DE LUZ INCENDIANDO A VISTA, HAHAHA, VAI NESSA... NÃO TEM COMO SER BOM UM DIA QUE COMEÇA COM PROPAGANDA POLÍTICA.

Continuando...

- O cara grava esse jingle estúpido e nunca mais escuta. Mas o idiota do contribuinte aqui escuta, e acorda, e não dorme mais, e fica estressado, e pensa duas vezes se vai levantar a bunda de 146 quilos da cama para votar nesse porqueira desse candidato que começa a cantar às onze horas da manhã!

- Onze horas da manhã! Isso lá são horas de acordar alguém em plena segunda-feira? É inacreditável! Inaceitável!

Desci a escada e me sentei junto à mesa, que estava vazia. Nela sequer uma migalha de pão havia. Fiquei olhando durante alguns minutos para o desenho da toalha e percebi que nada havia nela também. Pelo menos, nada que pudesse ser admirado, com exceção aos respingos de café e às manchas de qualquer coisa que nunca mais sairão dela.

Bom, sso também não vem ao caso.

- Olha só! Outro carro alegórico!

Um carro passou nesse exato instante cantarolando uma musiqueta mais ou menos assim:

- Desse todo mundo gosta! Nesse todo mundo aposta! Vote 34451, Tomaz da Rola Bosta!

Desencanei.

Desencanei de fumar meu cigarro. Desencanei de fazer um café. Desencanei de ir ao banheiro e dar aquela cagada gostosa que só rola de manhã bem cedo. Desencanei de tudo o que me soava importante naquele momento.

- Tomaz da Rola Bosta? Pela puta que me pariu! Isso só pode ser sacanagem, fodinha explícita, tão querendo me tirar de otário!

Voltei pra cama. Meu dia não poderia ter começado assim. Talvez se eu voltasse a dormir, mesmo que por vinte minutos, ao acordar, me depararia com um dia totalmente novo e sem nada do gênero para me atrapalhar.

- Tudo bem com você amor? Olhei pro lado e não te vi, saiu pra comprar cigarro?

- Não.

- Tomou café?

- Não.

- Aconteceu alguma coisa?

- Aconteceu.

- O que foi que houve?

- Acabou o filtro. Não deu pra fazer o café.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Susto

SUSTO
                                                       BASEADO EM UMA HISTÓRIA REAL.


CASA – MANHÃ/NUBLADO

O dia era sábado. Um sábado nublado, frio e perfeito para ficar na cama. O problema era o trabalho. A garganta e o trabalho.
Eu costumava levantar as dez, para entrar naquela loja por volta do meio dia, porém, justamente naquele dia, reinou o desejo de rolar de um lado para o outro.

Sem saber de nada, no quarto ao lado, a mesma idéia se desenvolvia na cabeça de um amigo, o Marlon, que sem muitos motivos e, assim como eu, decidia por ficar em casa.

Eu: - E aí velho! Vai trabalhar?

Marlon: - Tenho que trabalhar, mas tô com uma puta vontade de ficar em casa hoje. Acho que vou ligar lá no trabalho e inventar qualquer desculpa.

Eu: - Tá ligado que faltando no sábado vão te descontar uma grana do seu salário né?

Marlon: - Então, isso é que tá dificultando as coisas...

Eu: - Cara, eu também to querendo ficar em casa hoje. Faz o seguinte, liga no teu trabalho e inventa um problema de saúde, sei lá, depois eu ligo lá na loja e a gente dá uma chegada no posto de saúde pra pegar um atestado.

Marlon: - Atestado? Como é que faz pra conseguir isso?

Eu: - Fácil! É só chegar lá e alegar qualquer coisa, vão te examinar rapidinho e te dar o atestado, basta explicar que por conta do ocorrido você não pôde ir trabalhar.

Marlon: - Bom, demorô, vamos atrás desse atestado!

RUA – TARDE/NUBLADO

Vestimos uma roupa qualquer e seguimos andando em direção ao posto, localizado a quinze quadras da nossa casa.
No caminho, discutimos a respeito do plano e buscamos opções viáveis de enfermidades, pois não seria possível conseguir uma consulta sem que algo plausível estivesse acontecendo.

Marlon: - Você tá mal de verdade?

Eu: - A garganta! Tá me matando!

Marlon: - Sério?

Eu: - Sério! Mas pelo menos tenho como mostrar a amídala saltada e assustar um pouco a recepcionista!

(risos)

Marlon: - E eu vou falar o quê? Que tô com febre? Diarréia?

Eu: - Você pode falar que comeu alguma coisa estragada e que tá passando mal.

Marlon: - Não sei. Posso falar que tô com dor de barriga né, quando a dor é na barriga pode ser um monte de coisa, tipo virose, etc.

Eu: - Exato. Chega lá e bota na roda essa idéia.

Perto do posto, depois de andar por quase meia hora, decidimos que não deveríamos entrar juntos, então, entrei primeiro., retirei a senha, preenchi o cadastro e fui me sentar. Não havia muita espera. A consulta não iria demorar. Na seqüência, entrou o Marlon, com a mão na barriga e uma cara de cão sem dono. Sentou três cadeiras à minha esquerda e fingiu que não me conhecia. Dois minutos depois, foi chamado. Fiquei indignado! Cheguei primeiro! Porém, se eu soubesse do que estava por vir, não teria dado muita importância.

POSTO – QUASE NOITE

Marlon: - Bom, vou lá pegar esse atestado!

Eu: - Vai lá cara, boa sorte!

Dez minutos depois, ele volta com a boa notícia.

Marlon: - Irmão! Querem me levar para um hospital maior! Tenho que passar por uma reavaliação!

Eu: - Reavaliação? Por que cara?

Marlon: - A médica perguntou o quê que eu tinha e eu disse que tava com a barriga dolorida, aí ela começou a me apertar, perguntando se eu sentia dor ou não. Como tô precisando do atestado, falei que tava doendo e muito, agora ela acha que eu tô com apendicite, querem me levar de ambulância para um hospital maior.

Eu: - Que absurdo! E você vai?

Marlon: - Nunca andei de ambulância! Vou ficar sem o atestado? Tenho que ver qual é né!

Eu: - Que maluquice cara! Bom, fica esperto lá hein!

Marlon: - Relaxa! Logo mais eu volto!

Enquanto isso, fui examinado e encaminhado para a sala de raio-x, com suspeita de bronquite ou algum problema relacionado ao pulmão. Fui só pra garantir o atestado. O que doía mesmo era a garganta, mas, nesse caso, o melhor foi seguir as orientações de uma “profissional”.

Trinta minutos depois, de volta ao posto, ele me encontra e me conta sua aventura.

POSTO – NOITE

Marlon: - Cara, não tô acreditando! Dei um rolê de cinco minutos até chegar no hospital. Chegando lá, preenchi um formulário e ouvi a enfermeira responsável dizer que era caso de cirurgia direto, e que iam tentar me passar na frente dos demais pacientes!

Marlon: - Queriam me operar! Sem nem me reexaminar! Me fizeram sentar, dentro de uma sala, cheia de sangue esparramado pelo chão, enquanto cochichavam, dizendo que o caso era grave e que a operação tinha de ser realizada o mais rápido possível.

Eu: - E aí, o quê você fez?

Marlon: - Precisava dar um jeito de escapar de lá! Foi aí que a tal enfermeira voltou com a má notícia (que para mim foi muito boa). Para entrar na faca eu teria de esperar cinco horas! Cinco horas! E isso por que hoje é sábado! Ela disse que tem dias na semana que uma operação dessas leva de quatro a oito horas de espera!

Eu: - (risos)

Marlon: - Porra! Se eu tivesse com apendicite mesmo, teria passado muito perrengue! Cinco horas pra ser operado, pelo amor de Deus!

Eu: - E como você saiu de lá?

Marlon: - Fingi entrar em pânico, botei a mão na barriga, bem no lugar do apêndice e comecei a falar que isso era absurdo, que eu não poderia esperar tanto, que estava sentindo muita dor e que seria melhor procurar por outro hospital! Botei o terror e meti o pé! Saí fora!

Eu: - Saiu fora? Assim mesmo? Na marra?

Marlon: - Não! Falei que minha casa era do lado do posto e pedi uma carona para voltar de ambulância. Pra quem nunca tinha andado de ambulância na vida, andar duas vezes no mesmo dia é lucro!

Eu: - Pelo menos isso né! E o atestado? Conseguiu?

Marlon: - Paciência cara, não consegui! Mas pelo menos dei um bonde de ambulância...

(risos)
FIM

(para ler a segunda parte) http://tinyurl.com/87r4meo